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sexta-feira, 10 de março de 2017

LUZIA – Marília Benício dos Santos (Parte II)

Foto: arquivo ICAL
Luzia 

            João ficou decepcionado. Era demais para ele aceitar o ocorrido. Luzia desatou a chorar. Ele não se condoeu. Casar com uma moça que não era mais virgem, não aceitava em hipótese nenhuma. Depois de algum tempo disse:

            - Casá não. A gente pode morar junto. Depois nós casa.

            Luzia muito triste constatou que não tinha outra saída. Dois meses depois estavam morando juntos, num barraco na Praia do Pinto. Luzia tinha um sentimento de culpa muito grande. Pensava nos seus, principalmente em sua mãe. Passou a trabalhar como diarista. Toda a noite ia para casa. Esperava João sempre com muito carinho, uma comidinha caprichada. Tinha esperança de um dia vir a casar-se com ele. Nunca mais tinha tido notícias de sua terra. Chorava sem que João percebesse. Tinha medo que ele se aborrecesse. Há muito não tinha notícias de Alice, sua amiga, com quem viera de Maceió. Apesar dos pesares eram felizes. Quando construíram a Cruzada São Sebastião, eles conseguiram uma kitchinete. Luzia vibrou. Arrumou-a com muito carinho. Tinha esperança de que nesta ocasião saísse o casamento. Ela chegou a falar com João que lhe deu alguma esperança. Chegou até ir à igreja para falar com o padre. Ficou de voltar outro dia com João e os documentos. Mas este dia não chegou. João trabalhava numa construtora. Ganhava um salário que dava para viver. Um dia, houve um acidente na construtora. Despencou um andaime com João em cima. Ele e os companheiros feridos foram para o Hospital Miguel Couto. Mas João, por ser o mais atingido, fraturou o crânio. Precisou operar. Morreu na mesa de operação. Luzia foi avisada. Veio com uma vizinha. Quando chegou, ele estava sendo operado. Muito nervosa, esperava o resultado da operação. Quando o médico chegou ao corredor, ela muito aflita olhou para ele. Não perguntou nada. Não foi preciso. Ele logo lhe foi dizendo:

            - Infelizmente, minha senhora, aconteceu o pior.

            - Como, o que o doutor quer dizer?

            - Ele morreu minha filha. Foi melhor assim. Ia ficar sem condições para viver.

            Luzia caiu ali mesmo sem sentidos. Foi atendida pelo próprio médico. Luzia, amparada pelas amigas, acompanhou o corpo de João, depois de liberado, para o cemitério São João Batista, onde foi enterrado. A construtora pagou o enterro e deu uma indenização para Luzia, que, logo depois caiu numa depressão muito forte. As vizinhas fizeram de tudo para ela superar a crise. Não adiantou nada. Nem banho tomava. Levaram-na ao médico. Este não teve alternativa. Luzia foi internada. Naquela época, o tratamento era o eletro choque. Saiu rápido daquele estado. Depois de algum tempo, voltou para casa. Muito eufórica. As vizinhas ficaram admiradas de seu comportamento estranho. Era uma alegria forçada. Tinha aprendido com as companheiras do Hospital as músicas de carnaval. Amanhecia cantando muito alto. Resolveu tomar parte ativa no carnaval, entrando para um bloco da Cruzada. “Pintou e bordou”. Bebeu, sambou e namorou. Aquele não era o seu comportamento. Acabou o carnaval, acabou a euforia. Luzia caiu novamente em depressão. Tinha vergonha do que tinha feito... Dos porres que tinha tomado com os vizinhos. Os companheiros do carnaval procuravam-na, mas não eram recebidos. Não entendia nada. As vizinhas chamaram-na para levá-la ao médico. Não quis ir. Passados alguns dias, teve um acesso de loucura. Gritava e jogava os objetos pela janela. Foi levada à força ao hospital. Desta vez demorou mais. Luzia nunca mais teve saúde. Fazia pena vê-la em seu delírio. Ria sozinha. Chamava por João, outras vezes xingava o Armando. Contava sua estória e chorava muito. Pedia aos vizinhos para irem com ela comprar a passagem de volta para Alagoas. No dia seguinte, já não se lembrava daquilo que havia combinado. O tempo foi passando. A indenização acabando. Josefa, sua vizinha levou o caso ao conhecimento das assistentes sociais. Tentaram levá-la de volta para sua terra. Mas não conseguiram. Passaram a dar uma ajuda a Luzia. Com o tempo, esta ajuda também desapareceu. O vigário pagava a luz, pois já havia sido cortada diversas vezes.

            Luzia, antes de vir morar no Rio, morava no interior de Alagoas. Levava uma vida muito dura. Por ser a mais velha, a carga era maior. Além de ajudar a mãe nos trabalhos caseiros, trabalhava também no campo. Não gostava daquela vida. Como vivia com os ouvidos colados em seu radinho de pilha, estava sempre em dia com o que se passava no Rio. Era também muito bem informada pelas moças que trabalhavam lá. Vivia sonhando com a Cidade Maravilhosa. Um dia disse em casa: - Quando ficar moça vou trabalhar no Rio.

            - Que maluquice é esta menina, fia minha não sai das minhas vistas. Só quando casá. Aí, sim, passa para o domínio do marido.

            Luzia cresceu com esta ideia na cabeça. Com muita dificuldade aprendeu a ler. Distinguiu-se de suas companheiras. Era uma moça ambiciosa. Almejava uma vida diferente daquela que levava sua mãe. Não namorava os rapazes da roça. Procurava namorar os da vila. Não conseguia prendê-los. Via-os apenas aos domingos na hora da missa. Sempre era passada para trás por outra que morava na cidade. Insistia, porém, em seus objetivos. Dizia:

            - Só me caso com um homem da cidade, ou então, vou para o Rio.

            Sua mãe ansiosa, pois via o tempo passar e Luzia não se decidir, dizia: Você escolhe, escolhe, termina ficando no barricão.

            Luzia pouco ligava para o que a sua mãe pensava. Sabia que era bonita. Ouvia muitos galanteios da rapaziada. O seu companheiro inseparável, o rádio a estimulava a uma vida diferente. – Vou morar no Rio. Vou falar com o vigário para me ajudar. Um domingo, depois da missa falou com o padre. Pediu que ele falasse com o seu pai.

           - Pois não, minha filha. Na próxima semana vou lá e falo com ele. Minha irmã escreveu-me, pedindo que arranjasse uma moça de confiança para fazer-lhe companhia. Luzia voltou para casa muito contente. Mas, infelizmente, sua alegria durou pouco...

(aguarde a parte final...)


(O CORAÇÃO NÃO ENVELHECE)
Marília Benício dos Santos

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Clique no link abaixo e leia a parte I...


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